Eu fui activada como dadora de medula óssea
Hoje quero partilhar convosco a minha história como dadora de medula óssea.
Eu tinha apenas 18 anos quando me voluntariei para fazer parte da base de dados do IPST - Instituto Português do Sangue e da Transplantação. Tudo começou numa aula de matemática, no 12º ano. Aquela que considero ter sido a melhor professora de matemática até hoje, mostrou ter um coração tão bonito pelo seu gesto. Contou-nos que havia conhecido uma criança, com cerca de 4 anos, praticamente da mesma idade do seu filho, que tinha leucemia e que a sua vida dependia de um transplante de medula óssea. Explicou-nos mais ou menos em que consistia. Eu confesso a minha ignorância. Até aquele momento eu desconhecia o que significava ser dador de medula óssea.
Organizou-se na escola um evento para recolha de amostras de sangue dos alunos que quiseram voluntariar-se, na expectativa de encontrar alguém compatível com aquela criança. Foram muitos os alunos que se inscreveram. Tivemos de preencher apenas um questionário, responder a algumas questões colocadas pelo enfermeiro e recolher a amostra de sangue.
Explicaram-nos que é fácil encontrar um dador de sangue, pois existem poucos grupos sanguíneos e todos eles conhecidos e bem identificados. Encontrar um dador de medula compatível é algo bem mais complexo. Há uma grande dificuldade pela diversidade genética e pelo reduzido número de pessoas que se voluntariam como dadores.
Lembro-me de me explicarem que a complexidade da medula óssea conduz à utilização de bases de dados internacionais. Ou seja, eu como dadora de medula poderia ser activada para ajudar alguém do outro lado do mundo.
A possibilidade de ajudar alguém, a possibilidade de poder salvar uma vida fascinava-me e pedi naquele dia, pedi com muita força, que um dia a vida me permitisse a alegria de poder salvar uma vida.
Confesso que a reação da minha mãe não foi a melhor quando lhe contei que ía ser dadora de medula. Achava que era algo muito perigoso, que poderia colocar em risco a minha saúde. A decisão dependia somente de mim, porque já era maior. Mas não utilizei esse argumento. Expliquei que a medicina já estava muito avançada, que não implicava riscos nenhuns, que teria muita alegria em poder ajudar alguém e que, se um dia precisasse ou um filho meu, gostaria que alguém fizesse o mesmo por mim. Apenas comuniquei a minha decisão e ela aceitou.
E não, não fui activada para doar medula àquela criança. Não sei se encontrou dador compatível. Perdi a continuidade dessa história. Mas fiquei durante todos estes anos tranquila, com a certeza de que se alguém precisasse de mim eu estaria lá, na base de dados. Sempre que possível eu incentivo as pessoas a inscreverem-se como dadores.
Há cerca de um ano e meio o telefone finalmente tocou. Eu não queria acreditar. Quando ouvi a voz do outro lado dizer que eu era compatível com alguém, o meu corpo estremeceu de alegria. Senti-me corar de entusiasmo. Fiquei tão feliz. Sentia na voz da senhora do Centro de Saúde e da Transplantação de Coimbra o entusiasmo por estar a contactar alguém jovem, com apenas 30 anos, e compatível com um doente que precisava muito de um transplante de medula. Tinha tudo para dar certo... mas não deu! Passados poucos minutos começaram as questões sobre o histórico clínico, que fazem parte do protocolo. E em poucas perguntas a minha alegria caiu por terra. Devido à minha intervenção cirúrgica à coluna lombar e algumas complicações de saúde posteriores, eu teria de ser removida da base de dados e não poderia continuar registada como dadora de medula.
Eu contrapus, pois o meu neurocirurgião havia dito que a minha situação não impedia a realização de um eventual transplante, caso fosse activada. A resposta foi irredutível - "Temos de proteger obrigatoriamente e em primeiro lugar a saúde do dador. Tendo em conta o seu historial não poderá mesmo manter-se na nossa base de dados." Tentou acalmar-me e explicou que é algo que acontece com frequência. Quando as pessoas são activadas para doar, passados alguns anos do seu registo, surgem às vezes impedimentos, quer devido a problemas de saúde sofridos entretanto pelo potencial dador, quer por motivos de gravidez.
Quando desliguei o telefone o meu rosto estava lavado em lágrimas e eu soluçava. O meu marido chegou a casa e pensou que tinha morrido alguém. A minha tristeza prolongou-se por alguns dias e perguntavam-me se o transplante em causa era para ajudar alguém da família.
Não importa se é desconhecido. Não importa a idade, nacionalidade ou etnia. Importa que pode ser um filho que não quer perder um pai, um pai que não quer perder um filho, um neto que sofre por um avô, um amigo, irmão ou primo... interessa que é uma vida.
Hoje, a única forma que tenho de ajudar é partilhar a minha história, para que percebam que acontece, que cada um de nós pode de facto ser compatível com alguém. Por isso, eu estou a fazer a minha parte, faz a tua. Ajuda quem precisa. Partilha esta mensagem e, se ainda não te registaste como dador, vai ao hospital mais próximo e informa-te. Podes consultar informação útil sobre este tema através da APCL - Associação Portuguesa Contra a Leucemia (www.apcl.pt).
A m-M do blogue http://contosdameninamulher.blogs.sapo.pt tem uma irmã que está há meses à espera de um transplante de medula. Tem um filho pequeno e muita vontade de viver, mas a sua vida depende de um transplante.
Dá o teu contributo. Ajuda esta família a ter um Natal mais feliz. Lembra-te que um dia também podes precisar da generosidade de alguém.